Prof. Hisao Inagaki

 

VIII

 

              De todas as escolas da Terra Pura que surgiram no Japão depois de Honen, o Shin atingiu o mais impressionante desenvolvimento institucional. Em seu aspecto doutrinário, também, o Shin ofereceu perspectivas mais amplas na reinterpretação dos ensinamentos da Terra Pura. O próprio Shinran não pretendeu fundar uma escola, mas como declarou no Kyogyoshinsho e em outros trabalhos, meramente seguiu os ensinamentos do Buda e dos sete mestres e procurou revelar o seu verdadeiro significado. Sua reinterpretação do ensinamento da Terra Pura pode parecer baseada em seu julgamento pessoal, porém tem servido realmente para esclarecer, através de seu insight e experiência, os ensinamentos desenvolvidos e transmitidos pelos mestres da Terra Pura do passado.

 

              A reinterpretação, a propósito, é um elemento indispensável para qualquer avanço filosófico ou religioso. Para uma teoria e prática religiosa conservar a sua vitalidade, ela necessita ser interpretada e reinterpretada a partir de novos pontos de vista baseados em insights profundos, experiências pessoais e assim por diante. Reinterpretar é como cavar a terra para encontrar novos recursos energéticos. O Dharma, ou a Lei que o Buda revelou vinte e cinco séculos atrás, é como a terra. Primeiramente ele ensinou um meio primitivo de cavar e perfurar e um método de processar o material bruto obtido. O termo “dharma” que traduzi apenas como “lei” era usado profusamente na Índia desde as eras antigas. O Buda usou o mesmo termo para indicar tanto a Verdade para a qual ele despertou como para a sua teoria e prática que conduzem à sua revelação. Entretanto, ele não deu ao termo a mesma conotação da tradição. Entretanto, ele não deu ao termo a mesma conotação da tradição Hindu, mas sim, novas dimensões de significado, investindo-o de sentidos que seriam completamente revelados pouco séculos depois, quando o Mahayana surgiu na Índia. Do ponto de vista do Mahayana, o Dharma do Buda é para ser reinterpretado constantemente com observações e sabedoria penetrante, à medida que as circunstâncias históricas, geográficas e sociais mudam.

 

              É preciso salientar que a reinterpretação no Budismo está intimamente ligada à meditação. Mera reinterpretação intelectual não vai muito longe. Desde o início de sua história, o Budismo tem derivado sua espiritualidade e metafísica transcendente da experiência de meditação. Isto se aplica ao Mahayana como um todo e ao Budismo da Terra Pura também. Como vimos no Sutra da Contemplação, é possível visualizar o Buda Amida transcendente e sua Terra Pura se pratica com sucesso, de acordo com o método prescrito. Sempre que especulações metafísicas ou as análises teóricas se tornam muito complicadas e ameaçam a vida da espiritualidade, podemos recorrer à meditação para remediar essa tendência. Mas a meditação não é sempre efetiva. Nestas épocas muito distanciadas do tempo do Buda, bons professores de meditação são muito raros. Mesmo que você tenha encontrado um, será difícil seguir o método prescrito por um tempo longo. A meditação em Amida e sua Terra Pura é mais fácil do que a meditação do Zen porque temos objetos de concentração e, também, porque podemos contar com o poder espiritual de Amida (adhisthana) que ajuda a realizar a meditação.

 

              Honen falhou em atingir a salvação através das práticas Tendai, as quais ele seguiu no Monte Hiei por muitos anos, e Shinran, também, praticou o mesmo tipo de meditação por vinte anos, porém sem sucesso. Honen encontrou o caminho da salvação no ensinamento do Nembutsu exposto por Shan-tao de T’ang, China, e então desistiu de todas as outras práticas budistas. A conversão de Honen para o Nembutsu foi acompanhada de uma profunda consciência de sua incapacidade de salvar a si mesmo através de seu próprio poder. Ele compreendeu que o poder de compreensão, ele reinterpretou todos os ensinamentos do Buda e situou o Nembutsu acima de todas as práticas.